quinta-feira, 17 de setembro de 2015

CIVIL I - ESTUDO DE CASO - constitucionalização do direito civil - a eficácia horizontal dos direitos fundamentais numa residência perto de você.

A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
NUMA RESIDÊNCIA PERTO DE VOCÊ


O CASO:
Julgado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, o Recurso Especial – RESP 1365279 tratou da aplicação de multa por condomínio face ao comportamento antissocial de condômino (veja a notícia).

(Observação linguística: antes da reforma analfabética da "última flor do Lácio", escrevíamos anti-social, com hífen, como está no Código; após, antissocial, dobrando a consoante r/s diante de vogais.)

Trata-se de tema afeto aos Condomínios Edilícios, regulados pelo Código Civil de 2002. Dentre outras regras, o Código previu a possibilidade de aplicar multa para o condômino que apresentar conduta “antissocial”:

Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.

Lembre-se, porque interessante, que o artigo citado é exemplo das chamadas CLÁUSULAS ABERTAS do Código Civil, pois a justa definição de “comportamento antissocial” e “incompatibilidade de convivência” são conceitos propositadamente imprecisos, vagos.

Assim, seu exato teor é dado a partir da análise de um caso concreto, com seus detalhes e nuances. No julgado em comento, as condutas eram: “ligação clandestina de esgoto, instalação indevida de purificador em área comum e até mesmo a existência de uma banca de jogo do bicho dentro do imóvel alugado”. Porém, isso é apenas um rol de possibilidades, pois a questão não foi “fechada” pelo legislador.

Entretanto, o ponto levantado na notícia não é a discussão do que seja o comportamento antissocial, mas o PROCEDIMENTO DE APLICAÇÃO DA MULTA. E aí vamos falar de constitucionalização do direito civil e eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

O PROBLEMA DISCUTIDO:
Ocorreu que o Condomínio, embora tenha feito assembléia de moradores com quórum qualificado, não concedeu oportunidade para que o condômino “acusado” se defendesse das condutas que lhe eram imputadas.

Nesse momento, então, imaginamos uma cena fictícia: o condômino (morador acusado) levanta a Constituição Federal e pergunta: “aqui está escrito que todos têm o direito à ampla defesa; porém não me foi dada essa oportunidade aqui nesta assembléia que me condenou; logo, a multa foi aplicada invalidamente e não me poderá ser exigida!”.

Todos pasmos no salão. Silêncio. O que esse senhor está a dizer? Constituição Federal? Nãããããããooooo... Aqui é um condomínio edilício. Temos nossa Convenção. Temos nosso síndico. Temos nossa Assembléia... Vai pagar de qualquer jeito, se não, executamos na justiça...

Pena. Fossem melhor assessorados, estariam cobrando sua multinha.

A FILOSOFIA “ÚTIL” (i.e., QUE MUDA RESULTADO DE PROCESSO):

Ensinam os livros e professores que o Direito Civil passou (ou “vem passando”, digamos) por uma mudança de paradigma. Isso nos permite pensar em termos de um modelo antigo e de um modelo moderno.

No modelo antigo, o Direito Civil era pensado/interpretado como ramo imune às normas de direito público. Esse modelo clássico, em um resumo muito resumido, pode ser assim explicado: sendo o Direito Civil ramo do direito privado, suas normas dizem respeito apenas aos particulares envolvidos no caso jurídico, a partir de direitos disponíveis. Portanto, não cabe ao Poder Público interferir na relação estabelecida entre as partes a partir da liberdade de vontade/liberdade de contratar.

Já no modelo moderno, entende-se que, apesar de o Direito Civil ser, de fato, um ramo do direito privado e, também, de suas normas terem uma repercussão maior no âmbito dos interesses particular das pessoas envolvidas, há de se entender, ainda assim, que é um ramo jurídico inserido num contexto maior, num Ordenamento, o qual é marcado por certos princípios fundamentais/estruturantes.

Assim, princípios/valores definidos com maior grau de abstração pela Constituição Federal devem orientar todos os ramos do Direito. Entende-se que os direitos fundamentais não são apenas garantias do indivíduo contra o poder do Estado (eficácia vertical), mas também devem ser observados nas relações dos indivíduos entre si (eficácia horizontal).

Portanto, quando a Constituição estabelece, por exemplo, o direito fundamental à ampla defesa, dizem os juristas de hoje que tais preceitos se irradiam por todo o Ordenamento, inclusive pelos ramos do direito privado. Essa idéia que traz uma leitura do Direito Civil a partir do prisma constitucional vem sendo denominada de Constitucionalização (ou publicização) do Direito Civil. 

CONCLUSÃO:

Desse modo, voltando ao condomínio, embora não exista no Código Civil a previsão expressa da necessidade de garantir o direito à ampla defesa por parte do condômino “acusado” de ser antissocial, essa garantia é ainda assim exigida, pois ela decorre diretamente da Constituição. Sendo assim, o direito fundamental à ampla defesa deve ser respeitado, quer pelo Estado julgando acusados de crime (eficácia vertical), quer pelos particulares, em assembléia, julgando acusados de “conduta antissocial”.

Isso significa que a filosofia hoje predominante faz com que pensemos as regras do Código pela luz hermenêutica dada pelos princípios/valores constitucionais. Afinal, não podemos aplicar o Código Civil sem aplicar a Constituição por intermédio dele. Vemos, então, a filosofia “saindo da sala de aula” para mudar o resultado do julgamento no tribunal.

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