A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
NUMA RESIDÊNCIA PERTO DE VOCÊ
Julgado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, o Recurso Especial
– RESP 1365279 tratou da aplicação de multa por condomínio face ao
comportamento antissocial de condômino (veja
a notícia).
(Observação linguística: antes da reforma analfabética da "última flor do Lácio", escrevíamos anti-social, com hífen, como está no Código; após, antissocial, dobrando a consoante r/s diante de vogais.)
Trata-se de tema afeto aos Condomínios Edilícios, regulados pelo Código
Civil de 2002. Dentre outras regras, o Código previu a possibilidade de aplicar
multa para o condômino que apresentar conduta “antissocial”:
Art. 1337. O
condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres
perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos
restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do
valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a
gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que
se apurem.
Parágrafo único. O condômino
ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade
de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido
a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para
as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.
Lembre-se, porque interessante, que o artigo citado é exemplo das
chamadas CLÁUSULAS ABERTAS do Código Civil, pois a justa definição de “comportamento
antissocial” e “incompatibilidade de convivência” são conceitos propositadamente
imprecisos, vagos.
Assim, seu exato teor é dado a partir da análise de um caso concreto, com
seus detalhes e nuances. No julgado em comento, as condutas eram: “ligação
clandestina de esgoto, instalação indevida de purificador em área comum e até
mesmo a existência de uma banca de jogo do bicho dentro do imóvel alugado”.
Porém, isso é apenas um rol de possibilidades, pois a questão não foi “fechada”
pelo legislador.
Entretanto, o ponto levantado na notícia não é a discussão do que seja o comportamento
antissocial, mas o PROCEDIMENTO DE APLICAÇÃO DA MULTA. E aí vamos falar de constitucionalização
do direito civil e eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
O PROBLEMA DISCUTIDO:
Ocorreu que o Condomínio, embora tenha feito assembléia de moradores com
quórum qualificado, não concedeu oportunidade para que o condômino “acusado” se
defendesse das condutas que lhe eram imputadas.
Nesse momento, então, imaginamos uma cena fictícia: o condômino (morador acusado) levanta a
Constituição Federal e pergunta: “aqui está escrito que todos têm o direito à
ampla defesa; porém não me foi dada essa oportunidade aqui nesta assembléia que
me condenou; logo, a multa foi aplicada invalidamente e não me poderá ser
exigida!”.
Todos pasmos no salão. Silêncio. O que esse senhor está a dizer?
Constituição Federal? Nãããããããooooo... Aqui é um condomínio edilício. Temos nossa
Convenção. Temos nosso síndico. Temos nossa Assembléia... Vai pagar de qualquer
jeito, se não, executamos na justiça...
Pena. Fossem melhor assessorados, estariam cobrando sua multinha.
A FILOSOFIA “ÚTIL” (i.e., QUE MUDA
RESULTADO DE PROCESSO):
Ensinam os livros e professores que o Direito Civil passou (ou “vem
passando”, digamos) por uma mudança de paradigma. Isso nos permite pensar em
termos de um modelo antigo e de um modelo moderno.
No modelo antigo, o Direito Civil era pensado/interpretado como ramo
imune às normas de direito público. Esse modelo clássico, em um resumo muito
resumido, pode ser assim explicado: sendo o Direito Civil ramo do direito
privado, suas normas dizem respeito apenas aos particulares envolvidos no caso jurídico, a partir de
direitos disponíveis. Portanto, não cabe ao Poder Público interferir na relação
estabelecida entre as partes a partir da liberdade de vontade/liberdade de
contratar.
Já no modelo moderno, entende-se que, apesar de o Direito Civil ser, de
fato, um ramo do direito privado e, também, de suas normas terem uma
repercussão maior no âmbito dos interesses particular das pessoas envolvidas,
há de se entender, ainda assim, que é um ramo jurídico inserido num contexto
maior, num Ordenamento, o qual é marcado por certos princípios
fundamentais/estruturantes.
Assim, princípios/valores definidos com maior grau de abstração pela
Constituição Federal devem orientar todos os ramos do Direito. Entende-se que
os direitos fundamentais não são apenas garantias do indivíduo contra o poder
do Estado (eficácia vertical), mas também devem ser observados nas relações dos
indivíduos entre si (eficácia horizontal).
Portanto, quando a Constituição estabelece, por exemplo, o direito
fundamental à ampla defesa, dizem os juristas de hoje que tais preceitos se
irradiam por todo o Ordenamento, inclusive pelos ramos do direito privado. Essa idéia que traz uma leitura do Direito Civil a partir do prisma constitucional vem sendo denominada de Constitucionalização (ou publicização) do Direito Civil.
CONCLUSÃO:
Desse modo, voltando ao condomínio, embora não exista no Código Civil a
previsão expressa da necessidade de garantir o direito à ampla defesa por parte
do condômino “acusado” de ser antissocial, essa garantia é ainda assim exigida,
pois ela decorre diretamente da Constituição. Sendo assim, o direito
fundamental à ampla defesa deve ser respeitado, quer pelo Estado julgando
acusados de crime (eficácia vertical), quer pelos particulares, em assembléia,
julgando acusados de “conduta antissocial”.
Isso significa que a filosofia hoje predominante faz com que pensemos as
regras do Código pela luz hermenêutica dada pelos princípios/valores
constitucionais. Afinal, não podemos aplicar o Código Civil sem aplicar a
Constituição por intermédio dele. Vemos, então, a filosofia “saindo da sala de
aula” para mudar o resultado do julgamento no tribunal.
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