sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O PORQUÊ DAS COISAS - Por que a lei protege o possuidor contra o legítimo proprietário?

- Professor, por que a lei protege o possuidor contra o legítimo proprietário?

Então... Veja bem... Na verdade, não é bem assim.

- Mas como não? Eu sei que as ações possessórias (manutenção e reintegração de posse, além dos interditos proibitórios) podem ser usadas pelo possuidor mesmo contra o legítimo dono!!!

Sim, verdade. Numa situação em que haja alguém na posse de um bem, móvel ou imóvel, que não seja seu, esse possuidor poderá, de fato, usar uma ação possessória mesmo contra o dono legítimo.

- Então por que não é verdade dizer que a lei protege o possuidor em detrimento do dono?

Porque, sob a ótica da teoria, o proprietário legítimo tem força para retirar o possuidor ilegítimo de dentro de seu bem. Acontece que esse tal dono tem meios legais/processuais corretos para serem usados. Se ele se valer de expedientes ilegais, como a violência, por exemplo, configurando atos de esbulho, o possuidor terá, pelo sistema jurídico, proteção à situação atual de posse, manejando uma reintegração de posse mesmo contra o legítimo dono.

- E por que a lei protege alguém que não seja o dono?

Porque o sistema jurídico tutela a aparência de direito.

- Hein!? Como assim!?

Exatamente! A lei tutela a aparência, porque a aparência sinaliza a boa-fé. O direito tutela a boa-fé, mesmo daquele que está em erro. Isso acontece não só no direito das coisas, e nem mesmo só no direito civil. Vejamos alguns exemplos simples, mas ilustrativos. No direito penal, há a figura da legítima defesa putativa: protege-se aquele que estava numa situação de “aparente” agressão. No direito administrativo, temos a figura do agente de fato: protege-se o administrado que lidava com alguém que “aparentava” ser servidor.

Poderiam vir muitos e muitos outros exemplos, mas esses já bastam ao texto. O ponto é que a posse é uma situação que “aparenta” ser propriedade. Dissemos em sala que uma frase antiga, neste contexto, é que a posse é a exteriorização do domínio, o que é um modo de dizer justamente isto: quem está na posse, está no exercício prático (visível) dos poderes teóricos (invisíveis) do dono. Então, quem está na posse, pode não ser dono, mas aparenta sê-lo.

Dessa aparência, então, resulta a proteção legal. Reintegra-se o possuidor indevidamente retirado do bem que “aparenta” ser seu, mesmo se quem o retirou for comprovadamente o legítimo dono.

- Então o dono legítimo sempre perderá?

Não, claro que não. Entenda que essa proteção é, por assim dizer, momentânea. Ou seja, caso o legítimo dono use os meios adequados, evidentemente seu direito de propriedade se sobreporá à posse. Seu ius possidendi vencerá, ao final, o ius possessionis daquele que está na posse. Mas para isso ele, dono legítimo, terá que agir como determinado em lei.

Além disso, há um outro ponto. Se alguém tem propriedade sobre um bem, mas outra pessoa o possui, de modo geral podemos pensar que o dono não está dando função social a seu direito de propriedade. Por exemplo, uma casa serve para nela morar, ou para ser alugada e fazer renda etc. Se outra pessoa a ocupa, significa que o proprietário não lhe deu uso devido e, por isso, descumpriu a função social. Claro que é possível haver situações em que esse raciocínio não se aplica, mas essa idéia vale como regra geral de análise.


Por isso, então, o legislador cria um sistema que pode ser assim resumido: protege-se a propriedade, garantindo ao legítimo dono ter de volta o que é seu; porém, enquanto não se fizer, pelos meios legais corretos, o debate sobre quem seja o dono, mantém-se na posse aquele que lá está, como tutela momentânea da situação de aparência de propriedade.

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