- Professor, por que a lei protege o possuidor contra o legítimo proprietário?
Então... Veja bem... Na verdade, não é bem assim.
- Mas como não? Eu sei que as ações possessórias (manutenção e
reintegração de posse, além dos interditos proibitórios) podem ser usadas pelo
possuidor mesmo contra o legítimo dono!!!
Sim, verdade. Numa situação em
que haja alguém na posse de um bem, móvel ou imóvel, que não seja seu, esse
possuidor poderá, de fato, usar uma ação possessória mesmo contra o dono
legítimo.
- Então por que não é verdade dizer que a lei protege o possuidor em
detrimento do dono?
Porque, sob a ótica da teoria, o
proprietário legítimo tem força para retirar o possuidor ilegítimo de dentro de
seu bem. Acontece que esse tal dono tem meios legais/processuais corretos para
serem usados. Se ele se valer de expedientes ilegais, como a violência, por
exemplo, configurando atos de esbulho, o possuidor terá, pelo sistema jurídico,
proteção à situação atual de posse, manejando uma reintegração de posse mesmo
contra o legítimo dono.
- E por que a lei protege alguém que não seja o dono?
Porque o sistema jurídico tutela
a aparência de direito.
- Hein!? Como assim!?
Exatamente! A lei tutela a
aparência, porque a aparência sinaliza a boa-fé. O direito tutela a boa-fé,
mesmo daquele que está em erro. Isso acontece não só no direito das coisas, e
nem mesmo só no direito civil. Vejamos alguns exemplos simples, mas
ilustrativos. No direito penal, há a figura da legítima defesa putativa:
protege-se aquele que estava numa situação de “aparente” agressão. No direito
administrativo, temos a figura do agente de fato: protege-se o administrado que
lidava com alguém que “aparentava” ser servidor.
Poderiam vir muitos e muitos
outros exemplos, mas esses já bastam ao texto. O ponto é que a posse é uma
situação que “aparenta” ser propriedade. Dissemos em sala que uma frase antiga,
neste contexto, é que a posse é a exteriorização do domínio, o que é um modo de
dizer justamente isto: quem está na posse, está no exercício prático (visível)
dos poderes teóricos (invisíveis) do dono. Então, quem está na posse, pode não
ser dono, mas aparenta sê-lo.
Dessa aparência, então, resulta a
proteção legal. Reintegra-se o possuidor indevidamente retirado do bem que “aparenta”
ser seu, mesmo se quem o retirou for comprovadamente o legítimo dono.
- Então o dono legítimo sempre perderá?
Não, claro que não. Entenda que
essa proteção é, por assim dizer, momentânea. Ou seja, caso o legítimo dono use
os meios adequados, evidentemente seu direito de propriedade se sobreporá à
posse. Seu ius possidendi vencerá, ao
final, o ius possessionis daquele que
está na posse. Mas para isso ele, dono legítimo, terá que agir como determinado
em lei.
Além disso, há um outro ponto. Se
alguém tem propriedade sobre um bem, mas outra pessoa o possui, de modo geral
podemos pensar que o dono não está dando função social a seu direito de
propriedade. Por exemplo, uma casa serve para nela morar, ou para ser alugada e
fazer renda etc. Se outra pessoa a ocupa, significa que o proprietário não lhe
deu uso devido e, por isso, descumpriu a função social. Claro que é possível
haver situações em que esse raciocínio não se aplica, mas essa idéia vale como
regra geral de análise.
Por isso, então, o legislador
cria um sistema que pode ser assim resumido: protege-se a propriedade,
garantindo ao legítimo dono ter de volta o que é seu; porém, enquanto não se fizer,
pelos meios legais corretos, o debate sobre quem seja o dono, mantém-se na
posse aquele que lá está, como tutela momentânea da situação de aparência de
propriedade.
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