quinta-feira, 25 de agosto de 2016

REDIGINDO CONTRATOS


Uma das tarefas jurídicas que considero mais árduas e, ao mesmo tempo, mais interessantes, é a redação dos termos de um contrato. Ela é árdua porque demanda do advogado um conhecimento profundo da teoria jurídica, mas isso não é suficiente. É necessário entender o espírito do negócio que está sendo desenhado – e isso, quase sempre, não é conhecimento jurídico...

O objetivo da redação das cláusulas de um contrato é evitar (ou reduzir) eventuais problemas com o cumprimento das obrigações criadas com o negócio. Assim, a ideia geral do trabalho do advogado é antecipar teoricamente, mentalmente, todo tipo de problema que da execução errônea poderia advir. Depois de ter antevisto os possíveis percalços, redigimos cláusulas que os evitem.

Podemos seguir por dois caminhos complementares, não excludentes. Um deles, básico, é a previsão de sanções contratuais para o descumprimento de determinada obrigação. Aqui se inserem as multas contratuais (cláusulas penais), perda de arras (compensatórias ou remuneratórias), fixação de honorários advocatícios contratuais, fixação de índice de correção monetária e taxas de juros aplicáveis. Podem ser também previstas obrigações alternativas, contratos acessórios (fiança), garantias reais (penhor, hipoteca), dentre várias outras ferramentas jurídicas. Esse caminho é necessário e todo contrato deve prever tais cláusulas, mas ele é litigioso, no sentido de que busca punir uma situação de inadimplemento, caso ocorra.

Porém, existe também uma via menos litigiosa, mais preventiva. Ou seja, trabalha-se para evitar o desentendimento a respeito das obrigações contratuais. Nesse caminho, busca-se uma definição mais precisa do que uma parte espera da outra, e vice versa. É nessa hora que o bom advogado é (sempre) chamado de chato. E é verdade, somos chatos, mas a nossa chatice, nesse caso, é para proteger nosso cliente e, acredite, muitas vezes protegemos até mesmo a outra parte – ao trabalharmos bem neste campo, o próprio contrato, melhor definido, com termos mais exatos e precisos, é fortalecido e, então, as partes nele envolvidas ganham em clareza, passando a ter um grau maior de certeza do que podem ou não esperar como fruto derivado do contrato.

Sempre vale muito a pena um exercício de imaginação junto com o cliente. Uma entrevista em detalhes sobre a dinâmica esperada para o negócio proposto. Um exercício de “faz de contas” resultará em uma definição contratual bem mais precisa e acurada, evitando margens de desentendimentos e, com isso, evitando conflitos.

Suponha que seu cliente o contrate para redigir um contrato de prestação de serviços de aulas particulares. Você, para obter informações para a redação do contrato, estabelece com ele a seguinte conversa. Você disse que vai prestar o serviço de dar aulas particulares, mas será na sua residência/estúdio ou na do aluno? Se for na sua e se o seu aluno atrasar, você admitirá uma tolerância? De quanto tempo? E se ele faltar sem avisar, você fará a cobrança? Cobrará o valor integral? E o material que será usado (supondo que exista), quem deverá ser responsável pela aquisição? Você mesmo comprará? Seu cliente te reembolsará somente os custos do material ou cobrará pelo serviço de fazer a aquisição? Etc. etc. etc.

Quanto mais situações puderem ser pré-definidas em contrato, menos espaço haverá para um “desentendimento” do que cabia ou não esperar de uma das partes. Quanto mais imaginação você tiver, levantando questões não jurídicas, mas a respeito da própria atividade negocial, melhor será o contrato fruto do seu trabalho.


Obviamente, a imaginação, neste caso, não opera sozinha. Ela está necessariamente acompanhada da experiência e do conhecimento teórico. Claro! Mas uma dose de imaginação fará uma diferença significativa no seu trabalho. Porém, o resumo da ópera é que a redação de um contrato é uma atividade extremamente complexa, pois envolve habilidades que ultrapassam os limites do conhecimento da lei, forçando o jurista a se lançar no mundo imaginado pelo seu cliente com a elaboração do negócio. E aí reside a beleza dessa atividade.

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