Uma
das tarefas jurídicas que considero mais árduas e, ao mesmo tempo, mais interessantes,
é a redação dos termos de um contrato. Ela é árdua porque demanda do advogado
um conhecimento profundo da teoria jurídica, mas isso não é suficiente. É necessário
entender o espírito do negócio que está sendo desenhado – e isso, quase sempre,
não é conhecimento jurídico...
O objetivo
da redação das cláusulas de um contrato é evitar (ou reduzir) eventuais
problemas com o cumprimento das obrigações criadas com o negócio. Assim, a ideia
geral do trabalho do advogado é antecipar teoricamente, mentalmente, todo tipo
de problema que da execução errônea poderia advir. Depois de ter antevisto os
possíveis percalços, redigimos cláusulas que os evitem.
Podemos seguir por dois caminhos complementares, não excludentes. Um deles,
básico, é a previsão de sanções contratuais para o descumprimento de
determinada obrigação. Aqui se inserem as multas contratuais (cláusulas
penais), perda de arras (compensatórias ou remuneratórias), fixação de
honorários advocatícios contratuais, fixação de índice de correção monetária e
taxas de juros aplicáveis. Podem ser também previstas obrigações alternativas, contratos
acessórios (fiança), garantias reais (penhor, hipoteca), dentre várias outras
ferramentas jurídicas. Esse caminho é necessário e todo contrato deve prever
tais cláusulas, mas ele é litigioso, no sentido de que busca punir uma situação
de inadimplemento, caso ocorra.
Porém,
existe também uma via menos litigiosa, mais preventiva. Ou seja,
trabalha-se para evitar o desentendimento a respeito das obrigações
contratuais. Nesse caminho, busca-se uma definição mais precisa do que
uma parte espera da outra, e vice versa. É nessa hora que o bom advogado é
(sempre) chamado de chato. E é verdade, somos chatos, mas a nossa chatice,
nesse caso, é para proteger nosso cliente e, acredite, muitas vezes protegemos
até mesmo a outra parte – ao trabalharmos bem neste campo, o próprio contrato,
melhor definido, com termos mais exatos e precisos, é fortalecido e, então,
as partes nele envolvidas ganham em clareza, passando a ter um grau maior de
certeza do que podem ou não esperar como fruto derivado do contrato.
Sempre
vale muito a pena um exercício de imaginação junto com o cliente. Uma entrevista
em detalhes sobre a dinâmica esperada para o negócio proposto. Um exercício de “faz
de contas” resultará em uma definição contratual bem mais precisa e acurada,
evitando margens de desentendimentos e, com isso, evitando conflitos.
Suponha
que seu cliente o contrate para redigir um contrato de prestação de serviços de
aulas particulares. Você, para obter informações para a redação do contrato, estabelece
com ele a seguinte conversa. Você disse
que vai prestar o serviço de dar aulas particulares, mas será na sua residência/estúdio
ou na do aluno? Se for na sua e se o seu aluno atrasar, você admitirá uma
tolerância? De quanto tempo? E se ele faltar sem avisar, você fará a cobrança?
Cobrará o valor integral? E o material que será usado (supondo que exista),
quem deverá ser responsável pela aquisição? Você mesmo comprará? Seu cliente te
reembolsará somente os custos do material ou cobrará pelo serviço de fazer a
aquisição? Etc. etc. etc.
Quanto
mais situações puderem ser pré-definidas em contrato, menos espaço haverá para
um “desentendimento” do que cabia ou não esperar de uma das partes. Quanto mais
imaginação você tiver, levantando questões não jurídicas, mas a respeito da
própria atividade negocial, melhor será o contrato fruto do seu trabalho.
Obviamente,
a imaginação, neste caso, não opera sozinha. Ela está necessariamente acompanhada
da experiência e do conhecimento teórico. Claro! Mas uma dose de imaginação
fará uma diferença significativa no seu trabalho. Porém, o resumo da ópera é
que a redação de um contrato é uma atividade extremamente complexa, pois
envolve habilidades que ultrapassam os limites do conhecimento da lei, forçando
o jurista a se lançar no mundo imaginado pelo seu cliente com a
elaboração do negócio. E aí reside a beleza dessa atividade.
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