domingo, 13 de setembro de 2015

MI CASA, SU CASA.


A LEGISLAÇÃO:

O programa MINHA CASA, MINHA VIDA, instituído pela Lei nº 11.977, de 2009, representa exemplo de política pública no sentido de promover o direito à moradia/habitação para população de baixa renda.

Nesse contexto, o art. 1º desse diploma estabelece que o programa “tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00”.

Sem entrar em detalhes, uma das frentes do programa é criar mecanismos legais de subvenção do governo aos empréstimos para a aquisição de imóveis com a finalidade habitacional.

Como o programa almeja promover sobretudo o direito à habitação, a lei estabelece sanções para o beneficiário do programa que descumpra sua finalidade. Leia-se, por exemplo, o art. 7º:

Em casos de utilização dos recursos de que tratam os incisos I, II e III do art. 2o em finalidade diversa da definida nesta Lei, ou em desconformidade ao disposto nos arts. 6o, 6o-A e 6o-B, será exigida a devolução ao erário do valor da subvenção concedida, acrescido de juros e atualização monetária, com base na remuneração dos recursos que serviram de lastro à sua concessão, sem prejuízo das penalidades previstas em lei.

O CASO:

Daí, a situação de desvio de finalidade pode ser arguida pela Caixa Econômica Federal – CEF, que é o agente financeiro do programa governamental, por meio de ação judicial, para requerer a devolução dos benefícios (subvenção) concedidos a quem deu ao imóvel destinação diversa da habitação.

No TRF-2, processo 0100402-66.2013.4.02.5004, foi julgado um caso dessa natureza. A CEF sustentava que o imóvel adquirido não foi usado para habitação direta de quem tomou o empréstimo subsidiado. (notícia no conjur)

Esse tribunal manteve a decisão de primeira instância, no sentido de que a CEF não se desincumbiu do ônus probatório. Caberia a ela o dever de provar o desvio de finalidade. Não sendo tal prova produzida, o pedido da CEF foi julgado improcedente (repito, não porque não há o direito objetivo, mas por não ter feito prova do fato – desvio de finalidade – que embasa seu direito subjetivo à restituição).

AS PERGUNTAS:

Ocorre que surgem algumas perguntas – professores e advogados adoram ver as coisas de um jeito não linear (o que é bom, entenda-se; há desvios, claro, mas isso é o cerne da atividade jurídica):

1)                 Mesmo que a CEF provasse que o imóvel houvesse sido emprestado a terceiros, seria o caso de considerar que o uso dado ao imóvel é diverso da finalidade almejada pela lei?

Essa pergunta parece ser respondida com uma afirmativa. Isso porque quem está morando não foi a pessoa subsidiada pelo programa. Então, se o beneficiado não está a morar, ele não precisa da subvenção.

Porém, não se deve ser tão apressado na análise. O caso concreto pode revelar a necessidade do empréstimo do imóvel. Por exemplo, numa relação familiar economicamente intrincada. Imagine-se um casal que adquire o primeiro imóvel, mas permanece morando na residência de um dos pais, porém empresta a casa comprada a um irmão. Assim, embora não o beneficiado, há alguém morando no imóvel, dentro de um contexto que justifica/legitima a “troca”.

2)         Se fosse provado pela CEF a ocorrência de um contrato de aluguel com terceiros, seria então o caso de condenar à devolução do subsídio? De novo, parece simples a resposta – sim, pois ele está fazendo renda, não está habitando.

Porém, de novo, deve-se olhar o caso com lupa, não com lunetas. Pode ser que o aluguel auferido seja justamente a renda necessária para pagar, ou complementar o pagamento, de um aluguel em outro lugar, talvez mais próximo do trabalho dos donos, ou da escola dos filhos, ou simplesmente outro lugar mais apto a acomodar a totalidade da família. Assim, parece que a finalidade da lei teria sido de todo modo respeitada.

CONCLUSÃO:

Sempre insisto: o Direito não cabe em caixinhas. Ao profissional – juízes, advogados, professores – cabe olhar os detalhes da história específica de cada situação e, à luz das teorias, enquadrar e solucionar juridicamente o caso, na busca da justiça material. O problema sumariamente analisado parece interessante para demonstrar isso. Infelizmente (deste ponto de vista), no caso julgado não houve análise das questões aqui propostas. Porém, sem dúvida, elas aparecerão em alguma petição ou sentença, pois tratam justamente da análise de qual seria a correta interpretação da finalidade da lei.

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