Sempre afirmo em sala de aula que
Direito Civil o aluno já sabe, ele só precisa aprender as palavras técnicas e
mais meia dúzia de regras arbitrárias. Por quê? Porque essa disciplina se
conecta de modo umbilical com o senso comum de justiça que o indivíduo já traz
consigo, mesmo antes de ingressar no curso de Direito. Observe-se que, aqui,
senso comum é expressão usada em sentido neutro – refere-se à noção intuitiva de
justiça, de certo e errado, a partir da visão do leigo. Claro que se deve
lembrar que a noção de justiça de um indivíduo é sempre situada dentro de um
contexto sócio-temporal: o que se entende como certo e errado numa determinada
sociedade, em determinado local e época, inevitavelmente influi no indivíduo
que a integra.
Contudo, feita essa nota explicativa,
voltemos à ideia central: o Direito Civil reflete de modo íntimo o sentimento
de justiça de determinada coletividade, de determinado lugar e época. Então,
cada indivíduo, como integrante dessa coletividade, percebe de modo intuitivo as
regras estruturais do Direito Civil, de modo que a compreensão/assimilação
dessas regras acaba sendo facilitada. Claro, haverá sempre um espaço para
regras arbitrárias – aquilo que chamamos de “opção legislativa”. Por que a
idade em que se atinge a maioridade é de 18 anos, não de 21, não de 16? Por que
um determinado prazo é de 2 anos, não de 4 ou de 1? Regras que, embora sejam
também reflexo do que no entendimento médio se pensa como razoável, no fundo
acabam sendo, por assim dizer, arbitrárias. Entretanto, o que se quer fazer
perceber é que essas noções são de menor impacto no contexto maior. Quando se
lida com as ideias centrais, com aquilo que se pode entender como regras
estruturais, as proposições normativas do Direito Civil refletem a compreensão
de justiça que dada coletividade carrega, daí porque seu entendimento é muitas
vezes intuitivo.
Exemplos, nesse campo, podem ser
dados à exaustão. Lembrem-se, aqui, apenas alguns poucos casos simples, para fins
de rápida ilustração. De início, ninguém precisa ter lido o Código Civil para
saber que aquele que causa dano a outrem terá o dever jurídico de reparar
(indenizar) o dano indevidamente causado (ver art. 186 e art. 927). Ao menos na
nossa cultura, todos já sabem que irmãos não podem casar entre si (ver art.
1.521). Outro exemplo é a ocorrência de agressão física contra quem fez doação
ao agressor: intuitivamente, sem ler o Código, já se percebe a possibilidade de
“voltar atrás” (revogar) a doação feita; de igual modo se, após doação, o
doador vem a precisar de auxílio (alimentos) e o donatário, mesmo podendo
(condições financeiras permitem), se recusa a auxiliá-lo (ver art. 557). Ainda na
doação, percebemos que não se podem cobrar indenizações por defeitos existentes
na coisa recebida gratuitamente (ver art. 552).
Esses são, portanto, rápidos
exemplos ilustrativos do que se pretende aqui destacar: as regras de Direito
Civil são conectadas com o senso comum de justiça da sociedade a qual
integra/pertence. Perceber essa relação é a chave do estudo do Direito Civil,
para quem busca uma compreensão mais profunda dos institutos. Para além das
regras a memorizar, há uma base cultural/valorativa que justifica essas regras.
Se isso vale para todo o Direito e modo geral, é uma verdade ainda mais nítida
e sensível para o Direito Civil.
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