INTRODUÇÃO
A Filosofia é uma área do
conhecimento para a qual a maioria dos estudantes torce o nariz. Por quê?
Várias respostas são possíveis - todas meramente especulativas. Talvez a
Filosofia seja mal apresentada aos alunos. Talvez nem todo aluno esteja pronto
para ela. Talvez ela seja simplesmente desnecessária. Talvez, de tão
necessária, poucos consigam perceber o ponto de profundidade que ela alcança.
Talvez, talvez, talvez.
Por que estudamos Filosofia?
Para os que a amam, como eu, uma justificativa não se faz necessária. Para os
que a detestam, nenhuma justificativa convence. Se você, estudante, pertence à
primeira categoria, salte estas linhas e siga em seus estudos. Mas se você é um
estudante da segunda categoria, tente pensar na Filosofia não como algo que
você usa para fazer coisas, mas como algo que te ajuda a decidir que coisas
fazer.
ADORAMOS PARÁBOLAS
Para raciocinar, digamos que
você precise construir uma ponte. Para realizar a construção, busque informações na arquitetura e na engenharia - aqui a Filosofia não
te ajuda e, por isso, é acusada de ser "inútil". Desse ponto de
vista, não há como dizer o contrário, pois ela não vai mesmo te ajudar a
construir a ponte.
Porém, a defesa da Filosofia está em mostrar que existe uma
série de questões que devem ser resolvidas antes de começar a obra - a ponte
deve mesmo ser construída ou é melhor deixar o lado de lá do rio isolado?
Precisamos de uma ponte ou podemos usar balsas para cruzar o rio? Estamos
dispostos a bancar o impacto ambiental que a construção da ponte implicaria? E
o impacto social? Os fins almejados (cruzar o rio) justificam os meios
(construção da ponte)? Qual a diferença "profunda" entre fins e
meios? Qual o último fim a que devemos nos orientar? Existe algo que possa ser
estabelecido como último fim igualmente para todos nós?
Penso estar claro que todas
essas questões não são objeto de preocupação da Arquitetura e da Engenharia.
Porém, na medida em que elas precisam ser respondidas, a Filosofia mostra-se
necessária. Mais ainda, na medida em que todas essas questões são
pré-requisitos para a construção da ponte, posso dizer que a Filosofia é ainda
mais necessária do que a Arquitetura e a Engenharia – ou seja, quando o assunto é construção de ponte, se não as respondemos, não podemos fazer sequer o projeto...
E não se engane de supor que
tais questões não são feitas/respondidas em construções de pontes... São
respondidas – ainda que inconscientemente, de modo irreflexivo, mas são... A
Filosofia, então, é aquela atividade que vai jogar luz ao problema, fazendo você percebê-lo e, assim, refletir sobre ele, buscando respostas de forma consciente – talvez você até formule
a mesma resposta, mas agora sabendo o que está a fazer.
UM DETALHEZINHO
A Filosofia tem outra
peculiaridade que vale a pena destacar. O engenheiro, quando tenta responder o
que é a Engenharia, deixa de exercer seu ofício de engenheiro e passa a estar
fazendo outra coisa. O mesmo vale para o médico, advogado, contador etc. Para a
Filosofia, ao contrário, tentar responder o que é a Filosofia continua sendo
uma forma de fazer Filosofia. Por esse motivo, então, não se consegue começar
um curso de Filosofia dizendo "senhores alunos, vamos estudar a Filosofia,
que é uma área do conhecimento que se ocupa de X, Y e Z". O professor
precisa começar a falar sobre os autores e sobre os temas para que, somente
depois, o aluno possa começar a entender do que, afinal, trata a Filosofia.
Isso causa dificuldade em muitos de nós, estudantes e professores.
OUTRA METÁFORA - OU MELHOR, OUTRAS
Por fim, proponho, ainda,
duas outras metáforas. Primeiro, pense no estudo da Filosofia, em sala de aula,
como um abridor de latas mental. Lembre-se do que escrevi acima sobre a
construção da ponte. Todas aquelas perguntas prévias não são respondidas pela
Engenharia, nem pela Arquitetura. Elas são respondidas com base em uma
determinada percepção do mundo, uma percepção de como as coisas funcionam, de
como elas são e como elas deveriam ser, do que é certo e do que é errado etc.
Essas percepções, porém, podem ser diferentes com base em quanto da experiência
humana você consegue perceber. Se você olha do ponto de vista do planeta Terra,
olhando para baixo, nada se move; olhando para o céu, apenas o Sol está em
movimento; se você olha do ponto de vista do sistema solar, apenas a Terra se
move, girando ao redor do Sol; se você olha do ponto de vista do universo infinito,
a Terra gira ao redor do sol e o sistema solar inteiro, em conjunto, está
girando ao redor de um sol central... Portanto, o que quero dizer é que a
Filosofia te ajudará a abrir a mente para outras percepções, outras
experiências, outras questões, ampliando a sua percepção do fenômeno humano.
Em segundo lugar,
considerando que você não é aluno de graduação em Filosofia, mas de graduação
em Direito, estudando a Filosofia como disciplina propedêutica, pense nesse
estudo como a construção dos alicerces do edifício do conhecimento que você
está empreendendo. Quanto maior for o edifício que você quer erguer, mais fundo
você tem que cavar suas bases – ou seja, quanto mais alto você quer chegar,
mais para baixo você tem que ir em sua preparação inicial.
EITA... É CONTIGO, MESMO!
Muitos alunos, por pura falta
de maturidade na área que começam a estudar, não conseguem entender como a
Filosofia é necessária ao estudo do Direito (e o mesmo se diga para a Psicologia,
a Economia, a Ciência Política, a Antropologia, a Sociologia, a História etc.).
O aluno traz consigo a visão do leigo, para quem o Direito é lei e o jurista é
aquele que conhece as diversas leis (apenas). Isso não poderia ser mais
equivocado – porém demora tempo para que o estudante novato consiga perceber
esse equívoco.
Como ensinou o mestre Miguel
Reale, Direito é fenômeno que combina fato, valor e norma. Somente com fatos e
normas não se entende a complexidade do Direito. É necessário entender, então,
a dimensão axiológica do Direito – o mundo dos valores. Porém, tal mundo não é
aprendido pelo estudo das leis! (Claro que na lei há uma dada percepção de
valores que a justifica, mas quero dizer que essa é uma percepção da lei, ou do
legislador, não a sua percepção, que deverá ser construída por você mesmo, com
base também na lei, mas não apenas nela...)
UM EXEMPLO (NÃO É UMA METÁFORA)
Em sala, usamos o exemplo do
crime contra o índio pataxó, episódio triste ocorrido em Brasília. Poderiam ser
inúmeros outros, mas achamos esse caso especialmente simbólico. Para a
promotoria (acusação), tratou-se de crime em "dolo eventual"; para a
defesa, "culpa consciente". Os fatos são os mesmos. A norma é a
mesma. A juíza de primeira instância entendeu que os fatos ocorridos melhor
seriam interpretados como "culpa consciente". Em recurso, o Tribunal
de Justiça do DF reformou a decisão, entendendo ser o caso melhor entendido
como "dolo eventual".
A diferença para os acusados
seria (foi) enorme. Mas quem está certo e quem está errado? O que o leigo não
enxerga é que essa resposta não é dada pela norma, mas pelo tal “valor” (Direito
é fato, valor e norma), o qual é “filtrado” pelos profissionais que
trabalham sobre o caso (advogados, promotores, juízes).
CONCLUINDO
Então, chegamos onde
precisávamos: esse “valor” será uma percepção tanto mais refinada, para cada
profissional, quanto mais refinada for suas leituras nas áreas lembradas,
sobretudo na Filosofia. Repetindo: quanto mais embasado for o profissional do
Direito nas leituras citadas, tanto melhor ele servirá de “filtro” para essa
percepção dos valores vigentes e, assim, tano mais equânime e justo será seu
posicionamento (claro, supondo-se
trabalhos honestos, obviamente).
Assim, concluindo, o estudo
da Filosofia, como disciplina do curso de Direito, deve ser abraçado com força
pelos estudantes, a fim de ampliarem sua percepção do fenômeno humano, sua
percepção do significado dos atos humanos, do peso de cada conduta praticada. É
sobre esse material, e não sobre a lei, ao contrário do que o senso comum supõe,
que o Jurista trabalha.
Bons estudos.
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