quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

ESTUDO DE CASO – CIVIL IV – TEORIAS DA POSSE – IPTU DE CONDOMÍNIO IRREGULAR

INTRODUÇÃO:

Trata-se de caso real, recém decidido pela 2ª Turma do STJ (REsp 1.402.217), em que se discutia a incidência ou não do dever de pagar IPTU para cidadão que ocupava terreno público com loteamento irregular. (Advinha de onde é o caso??? Hãn??? Hein??? Claaaaaro... Brasília! A Capital do loteamento irregular!) O caso foi noticiado pelo site Conjur – link para notícia.

ATENÇÃO: não acessei as petições, nem o acórdão, mas a notícia dá um interessante mote de discussão. Vamos lá.

O PROBLEMA DO CLIENTE:

Podemos imaginar o enredo por trás da notícia. O camarada “compra a posse” e vai morar no lote. Em 99,9999% das vezes (aqui em Brasília), ele sabe muitíssimo bem que está comprando apenas a posse (não está comprando de verdade, não será dono, pois não terá o registro do imóvel) e, mais ainda, sabe que é posse em condomínio irregular (fez-se o loteamento sem aprovação do Poder Público). Cultura do brasileiro médio – mesmo errado, “vamu em frente, depois nóis ressorve”, depois vem o governo e regulariza.... Beleza, cada um com seu cada um.

Teoricamente, o Governo poderia vir e acabar com o loteamento irregular, mas daí... Você já sabe... Político não gosta de perder voto... Só que o Governo pode até não estar com muita pressa para tirar o camarada do condomínio irregular, mas também não vai deixar de tirar uma graninha do rapaz... Mete-lhe um boleto de IPTU na caixinha do correio.

Só que o amigo já está na irregularidade, mesmo... Um problema a mais, um a menos... O camarada olha para um lado, olha para o outro e, por um motivo qualquer, deixa de pagar o IPTU. Não paga um ano, não paga outro e por aí vai. Até que recebe a visita de um oficial de justiça, citando-o em processo de execução fiscal. Aí, só aí, depois do problema arder nos olhos, ele procura o “dotô advogadu”... Eita, cultura difícil essa nossa...

O CONCEITO DE POSSE COMO FERRAMENTA DE TRABALHO:

O advogado sabe que o assunto é bem complicado, mas ele imagina uma solução. Constrói uma “tese”. (Mesmo não tendo sido vitoriosa, a solução encontrada foi inteligente... Veja o mérito disso e entenda que trabalhar com o Direito é caminhar por essa estrada...)
Sabendo que o IPTU incide sobre a propriedade, domínio útil ou posse a qualquer título (CTN, art. 34), o advogado argumenta que não deveria o seu cliente ser considerado contribuinte do IPTU, já que o terreno que ocupa é público e, sabemos, não se pode usucapir terreno público. Ou seja, ele nunca será dono por usucapião. Daí que, pelo raciocínio que estamos imaginando, aquela situação do cliente não contém o que a teoria chama de animus domini – ou, em vernáculo, intenção de ser dono. Continua o causídico: sendo assim, não está caracterizada a posse e, portanto, o fato gerador (posse a qualquer título) não se verificou, não sendo seu cliente, então, contribuinte do imposto.

ENTENDENDO O ARGUMENTO À LUZ DA TEORIA:

O colega adotou, em seu suposto argumento, a chamada Teoria Subjetiva a respeito da posse. Para essa corrente, desenvolvida por Savigny, caracteriza-se posse quando se verifica, no caso, corpus e também animus domini. O primeiro seria a possibilidade de exercer poder sobre o objeto – exemplo, você está morando no terreno, usando o bem “como se fosse seu”. O segundo seria justamente a tal intenção de ser dono – ele não é dono, mas quer ser e age como se já o fosse... Assim, um caseiro “usa como se fosse seu”, mas cumprindo ordens do dono – desse modo, não tem posse, mas mera detenção. Diante dessa idéia, diz o argumento imaginado, o cliente, ao estar em terra pública, não pode ter “intenção de ser dono” (animus domini); logo, não tem posse; logo, não deve ser havido por contribuinte do IPTU. Fantástico, não?

Seria ainda mais fantástico se a teoria adotada pela doutrina majoritária e pelo Código Civil fosse essa. Ocorre que não é... Adota o Código a teoria objetiva, de Ihering. Para Ihering, posse é apenas corpus, ou seja, o exercício de poderes típicos de dono (usar e fruir, sobretudo). A idéia de animus domini é o elemento subjetivo (intenção do sujeito) que Ihering descarta – daí sua teoria ser chamada de objetiva, contrapondo-se à de Savigny. No caso da notícia, adotando a teoria objetiva, caracteriza-se a posse do rapaz e ele vai pagar o IPTU, hehe.

(Bem... Só para não deixar em branco... Mas então o tal do caseiro do Savigny, que manifesta corpus, mas não animus domini, já que cumpre ordens, seria possuidor? Teria a posse? Diz Ihering que não – o caseiro seria, mesmo assim, detentor. Mas por quê, já que você, Ihering, não exige o animus domini para caracterizar posse? Porque, o mestre responde, a detenção seria o corpus, como na posse, porém combinada com uma relação jurídica de subordinação, ou seja, a detenção é caracterizada quando o sujeito manifesta corpus, porém cumprindo ordens de outra pessoa, que será o efetivo possuidor. Essa a teoria adotada pelo nosso Código Civil, arts. 1.196 e 1.198).

SÍNTESE: O QUE IMPORTA, NESTA HISTÓRIA?

Se você é um leitor interessado nessas questões, mas sem se preocupar em entender a teoria, a ti importa saber que, sendo irregular ou não o seu terreno, público ou não, vais pagar IPTU do mesmo jeitinho...


Se você é um aluno, iniciando suas atividades, a ti, muito mais que saber quem ganha ou quem perde, importa perceber como as teorias/conceitos ensinados em sala têm uma conexão direta com a prática da advocacia – ou de qualquer atividade jurídica que você venha a desempenhar. Desta vez, o colega não teve sucesso, mas veja o que ele nos mostra (outra frase que adoro repetir...): TEORIAS SÃO FERRAMENTAS DE TRABALHO. Quando estiver lendo seu livro e te bater aquela angústia, aquela sensação de que tudo é “apenas teoria”, lembre-se disso: no Direito, teorias não são historinhas pra te dar soninho... Teorias jurídicas são ferramentas a serem puxadas de seu “estojo”, a depender do problema que você precisa resolver. 

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