INTRODUÇÃO:
Trata-se de caso real, recém decidido pela 2ª Turma do STJ (REsp
1.402.217), em que se discutia a incidência ou não do dever de pagar IPTU para
cidadão que ocupava terreno público com loteamento irregular. (Advinha de onde
é o caso??? Hãn??? Hein??? Claaaaaro... Brasília! A Capital do loteamento
irregular!) O caso foi noticiado pelo site Conjur – link
para notícia.
ATENÇÃO: não acessei as petições, nem o acórdão, mas a notícia
dá um interessante mote de discussão. Vamos lá.
O PROBLEMA DO CLIENTE:
Podemos imaginar o enredo por trás da notícia. O camarada “compra
a posse” e vai morar no lote. Em 99,9999% das vezes (aqui em Brasília), ele
sabe muitíssimo bem que está comprando apenas a posse (não está comprando de
verdade, não será dono, pois não terá o registro do imóvel) e, mais ainda, sabe
que é posse em condomínio irregular (fez-se o loteamento sem aprovação do Poder
Público). Cultura do brasileiro médio – mesmo errado, “vamu em frente, depois nóis
ressorve”, depois vem o governo e regulariza.... Beleza, cada um com seu cada
um.
Teoricamente, o Governo poderia vir e acabar com o
loteamento irregular, mas daí... Você já sabe... Político não gosta de perder
voto... Só que o Governo pode até não estar com muita pressa para tirar o
camarada do condomínio irregular, mas também não vai deixar de tirar uma
graninha do rapaz... Mete-lhe um boleto de IPTU na caixinha do correio.
Só que o amigo já está na irregularidade, mesmo... Um
problema a mais, um a menos... O camarada olha para um lado, olha para o outro
e, por um motivo qualquer, deixa de pagar o IPTU. Não paga um ano, não paga
outro e por aí vai. Até que recebe a visita de um oficial de justiça, citando-o
em processo de execução fiscal. Aí, só aí, depois do problema arder nos olhos,
ele procura o “dotô advogadu”... Eita, cultura difícil essa nossa...
O CONCEITO DE POSSE COMO FERRAMENTA DE TRABALHO:
O advogado sabe que o assunto é bem complicado, mas ele
imagina uma solução. Constrói uma “tese”. (Mesmo não tendo sido vitoriosa, a
solução encontrada foi inteligente... Veja o mérito disso e entenda que
trabalhar com o Direito é caminhar por essa estrada...)
Sabendo que o IPTU incide sobre a propriedade, domínio útil
ou posse a qualquer título (CTN, art. 34), o advogado argumenta que não deveria
o seu cliente ser considerado contribuinte do IPTU, já que o terreno que ocupa
é público e, sabemos, não se pode usucapir terreno público. Ou seja, ele nunca
será dono por usucapião. Daí que, pelo raciocínio que estamos imaginando,
aquela situação do cliente não contém o que a teoria chama de animus domini – ou, em vernáculo,
intenção de ser dono. Continua o causídico: sendo assim, não está caracterizada
a posse e, portanto, o fato gerador (posse a qualquer título) não se verificou,
não sendo seu cliente, então, contribuinte do imposto.
ENTENDENDO O ARGUMENTO À LUZ DA TEORIA:
O colega adotou, em seu suposto argumento, a chamada Teoria
Subjetiva a respeito da posse. Para essa corrente, desenvolvida por Savigny, caracteriza-se
posse quando se verifica, no caso, corpus
e também animus domini. O primeiro
seria a possibilidade de exercer poder sobre o objeto – exemplo, você está
morando no terreno, usando o bem “como se fosse seu”. O segundo seria
justamente a tal intenção de ser dono – ele não é dono, mas quer ser e age como
se já o fosse... Assim, um caseiro “usa como se fosse seu”, mas cumprindo
ordens do dono – desse modo, não tem posse, mas mera detenção. Diante dessa
idéia, diz o argumento imaginado, o cliente, ao estar em terra pública, não
pode ter “intenção de ser dono” (animus
domini); logo, não tem posse; logo, não deve ser havido por contribuinte
do IPTU. Fantástico, não?
Seria ainda mais fantástico se a teoria adotada pela
doutrina majoritária e pelo Código Civil fosse essa. Ocorre que não é... Adota
o Código a teoria objetiva, de Ihering. Para Ihering, posse é apenas corpus, ou seja, o exercício de poderes
típicos de dono (usar e fruir, sobretudo). A idéia de animus domini é o elemento subjetivo (intenção do sujeito) que
Ihering descarta – daí sua teoria ser chamada de objetiva, contrapondo-se à de
Savigny. No caso da notícia, adotando a teoria objetiva, caracteriza-se a posse
do rapaz e ele vai pagar o IPTU, hehe.
(Bem... Só para não deixar em branco... Mas então o tal do
caseiro do Savigny, que manifesta corpus,
mas não animus domini, já que cumpre
ordens, seria possuidor? Teria a posse? Diz Ihering que não – o caseiro seria,
mesmo assim, detentor. Mas por quê, já que você, Ihering, não exige o animus domini para caracterizar posse? Porque,
o mestre responde, a detenção seria o corpus,
como na posse, porém combinada com uma relação jurídica de subordinação, ou
seja, a detenção é caracterizada quando o sujeito manifesta corpus, porém cumprindo ordens de outra
pessoa, que será o efetivo possuidor. Essa a teoria adotada pelo nosso Código
Civil, arts. 1.196 e 1.198).
SÍNTESE: O QUE IMPORTA, NESTA HISTÓRIA?
Se você é um leitor interessado nessas questões, mas sem se
preocupar em entender a teoria, a ti importa saber que, sendo irregular ou não
o seu terreno, público ou não, vais pagar IPTU do mesmo jeitinho...
Se você é um aluno, iniciando suas atividades, a ti, muito
mais que saber quem ganha ou quem perde, importa perceber como as teorias/conceitos
ensinados em sala têm uma conexão direta com a prática da advocacia – ou de
qualquer atividade jurídica que você venha a desempenhar. Desta vez, o colega
não teve sucesso, mas veja o que ele nos mostra (outra frase que adoro
repetir...): TEORIAS SÃO FERRAMENTAS DE TRABALHO. Quando estiver lendo seu livro
e te bater aquela angústia, aquela sensação de que tudo é “apenas teoria”,
lembre-se disso: no Direito, teorias não são historinhas pra te dar soninho...
Teorias jurídicas são ferramentas a serem puxadas de seu “estojo”, a depender
do problema que você precisa resolver.
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