sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

DIVÓRCIO DO CÃO

DIVÓRCIO DO CÃO

Caso noticiado pelo Conjur (leia aqui), retrata casal que, em divórcio, disputa a “guarda” de animal de estimação. A palavra vai entre aspas porque não se trata de guarda propriamente dita, como seria o caso da guarda dos filhos – por mais que você queira chamar seu cachorro de “meu bebê”, aos olhos da lei, não é disso que se trata... Enfim...

A notícia em questão traz a decisão de segunda instância, em que a 22ª Câmara Cível do TJ-RJ deu parcial provimento ao recurso do ex-marido, que pedia algo que compararíamos ao “direito de visita” que se estabelece para os filhos.

Li a decisão do relator (leia aqui) e concordo com o resultado final. Talvez isso baste para a maioria. Mas me chamou muito a atenção sua dificuldade em articular conceitos mais “crus” do Direito Civil. O magistrado trouxe uma parafernalha jurídica para conceder a tutela à pretensão do ex-marido. Buscou lá na dignidade da pessoa humana o amparo à referida pretensão.

Para mim, as coisas poderiam ser muito mais simples. Vamos lá. O que é o cachorro? Um bem. Ok, eu sei que essa resposta é “clássica” e não atende aos tempos atuais cachorro-afetivos, tempos pós-pós-modernos etc. etc. e blá blá blá. Mas, como disse, estou fazendo uma construção alternativa à parafernalha filosófica, certo? Estou usando os conceitos clássicos de propósito, não para ofender ninguém, mas para raciocinarmos juntos...

Voltando. O cachorro é um bem (móvel/semovente, lembremos). Poderia entrar na partilha de bens, assim como um carro, uma casa etc. Você pode estar pensando: ah, mas um cachorro é um animal de estimação... Assim, vamos falar a verdade. O cachorro é um animal. A estimação vem por sua conta. Eu, por exemplo, tenho livros de estimação que jamais deixaria para trás numa separação – mas nenhuma estimação por nenhum cachorro. Para um civilista clássico, livro e cachorro estão na mesma categoria – bens móveis   e é assim que vamos tratá-los.

Então, se o cachorro (tal como o livro) são bens, temos que observar o regime de bens do casamento. Em geral, trata-se de comunhão parcial. Vamos supor que tenha sido esse o regime. Como o bem-cachorro foi adquirido na constância do casamento, trata-se de patrimônio comum. O cão representa um condomínio formado pelos cônjuges.

Assim, não havendo acordo na partilha, um poderia pedir a “liquidação” da sua parte. Em resumo, compre a minha parte, ou venda no mercado e dividimos o preço obtido. Seria uma solução juridicamente possível. Ocorre que, pelo contexto, animal “de estimação”, supomos que ambos rejeitariam essa solução – nenhum dos interessados desejaria a venda de sua parte e o bichinho não seria vendido.

O que resta então? A preservação da figura do condomínio, sendo que ambos os donos exerceriam, por direito, atos de posse – ou seja, ambos teriam direito de exercer a posse sobre o bicho, posse derivada do domínio, evidentemente. Diz, então, o Código Civil que um compossuidor não pode ser pelo outro impedido de exercer sua posse. No caso, então, um cônjuge não pode impedir o outro de exercer a posse sobre o animal.


Assim, chegaríamos à decisão similar do magistrado, mas por este caminho clássico-tradicional: ou seja, já que os cônjuges estão em litígio sobre esse ponto – exercício da posse sobre o bicho , caberia ao judiciário solucionar a questão, definindo, por exemplo, os dias que o animal estaria com um e com outro. A mim me parece mais simples e, por isso, mais elegante a solução. Claro, não ganharia destaque na Conjur.

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