DIVÓRCIO DO CÃO
Caso noticiado pelo Conjur (leia
aqui), retrata casal que, em divórcio, disputa a “guarda” de animal de
estimação. A palavra vai entre aspas porque não se trata de guarda propriamente
dita, como seria o caso da guarda dos filhos – por mais que você queira chamar seu
cachorro de “meu bebê”, aos olhos da lei, não é disso que se trata... Enfim...
A notícia em questão traz a decisão de segunda instância, em
que a 22ª Câmara Cível do TJ-RJ deu parcial provimento ao recurso do ex-marido,
que pedia algo que compararíamos ao “direito de visita” que se estabelece para
os filhos.
Li a decisão do relator (leia
aqui) e concordo com o resultado final. Talvez isso baste para a maioria.
Mas me chamou muito a atenção sua dificuldade em articular conceitos mais “crus”
do Direito Civil. O magistrado trouxe uma parafernalha jurídica para conceder a
tutela à pretensão do ex-marido. Buscou lá na dignidade da pessoa humana o
amparo à referida pretensão.
Para mim, as coisas poderiam ser muito mais simples. Vamos
lá. O que é o cachorro? Um bem. Ok, eu sei que essa resposta é “clássica” e não
atende aos tempos atuais cachorro-afetivos, tempos pós-pós-modernos etc. etc. e
blá blá blá. Mas, como disse, estou fazendo uma construção alternativa à parafernalha
filosófica, certo? Estou usando os conceitos clássicos de propósito, não para
ofender ninguém, mas para raciocinarmos juntos...
Voltando. O cachorro é um bem (móvel/semovente, lembremos).
Poderia entrar na partilha de bens, assim como um carro, uma casa etc. Você
pode estar pensando: ah, mas um cachorro
é um animal de estimação... Assim, vamos falar a verdade. O cachorro é um
animal. A estimação vem por sua conta. Eu, por exemplo, tenho livros de
estimação que jamais deixaria para trás numa separação – mas nenhuma estimação
por nenhum cachorro. Para um civilista clássico, livro e cachorro estão na
mesma categoria – bens móveis – e é assim que vamos tratá-los.
Então, se o cachorro (tal como o livro) são bens, temos que
observar o regime de bens do casamento. Em geral, trata-se de comunhão parcial.
Vamos supor que tenha sido esse o regime. Como o bem-cachorro foi adquirido na
constância do casamento, trata-se de patrimônio comum. O cão representa um
condomínio formado pelos cônjuges.
Assim, não havendo acordo na partilha, um poderia pedir a “liquidação”
da sua parte. Em resumo, compre a minha parte, ou venda no mercado e dividimos
o preço obtido. Seria uma solução juridicamente possível. Ocorre que, pelo
contexto, animal “de estimação”, supomos que ambos rejeitariam essa solução –
nenhum dos interessados desejaria a venda de sua parte e o bichinho não seria
vendido.
O que resta então? A preservação da figura do condomínio,
sendo que ambos os donos exerceriam, por direito, atos de posse – ou seja,
ambos teriam direito de exercer a posse sobre o bicho, posse derivada do
domínio, evidentemente. Diz, então, o Código Civil que um compossuidor não pode ser
pelo outro impedido de exercer sua posse. No caso, então, um cônjuge não pode impedir o
outro de exercer a posse sobre o animal.
Assim, chegaríamos à decisão similar do magistrado, mas
por este caminho clássico-tradicional: ou seja, já que os cônjuges estão em
litígio sobre esse ponto – exercício da posse sobre o bicho –, caberia ao judiciário
solucionar a questão, definindo, por exemplo, os dias que o animal estaria com
um e com outro. A mim me parece mais simples e, por isso, mais elegante a
solução. Claro, não ganharia destaque na Conjur.
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